Old School Gamer

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sábado, fevereiro 10, 2007

Nocturnus

Onde quer que haja o bem, tenderá sempre a haver o mal, onde quer que se gere prosperidade e partilha, tenderá sempre a haver cobiça e miséria. Onde quer que haja felicidade e amizade, tenderá sempre a haver solidão e infelicidade. É nesta dicotomia, certa generalidade, e linha divisória dos princípios morais contrapostos pela imoralidade que se estruturam muitas das narrativas de aventuras e outros jogos que se detêem nas particulares idiossincrasias de heróis e vilões. Em cada herói que regularmente nos compete seguir e partilhar a caminhada até ao épico e derradeiro golpe, uma outra criatura é concebida no frio da noite, uma ceifeira gélida, cândida e imprevisível.
O confronto e a visualização do mal faz-se de um modo progressivo e sustentado pelo herói, escapando às mirabolantes armadilhas e tramas no fim de mais um capítulo, mais uma área, mais um cenário dantesco.
Tal como Hércules teve de sair vitorioso dos doze combates colossais a que se submeteu após desafio vital de Eristeu, o cumprimento final e alcance de uma demanda proposta ao jogador só é lograda com a ultrapassagem do cabecilha, do “big boss”, a entidade maquiavélica suprema.


E de que modo evoluíram estes anti-heróis no desenvolvimento dos jogos de vídeo?
No período em que as duas dimensões mereceram a atenção máxima, a caracterização e apresentação dos “bosses” fazia-se por uma entrada num cenário especial (curioso que em Zelda a denúncia do boss se fizesse [e faz] com o símbolo de uma caveira assinalada sobre o mapa no espaço destinado à batalha) enquanto a música assumia uma alteração na composição, ficando mais épica e empolgante. Os vilões limitavam-se assim a gráficos muito redutores e só pelo seu tamanho e “modus operandi” (o grande desafio) conseguiam causar no jogador alguma inquietação, deixando muito pouco espaço aberto ao temperamento, à tal idiossincrasia. Faltava a abordagem à reacção particular do oponente
A evolução da tecnologia aplicada ao desenvolvimento dos jogos de vídeo permitiu então a imensos produtores esforçarem-se no aperfeiçoamento das personagens, moldando-as à forma do ser humano ou imaginário e preenchendo-as de atributos físicos medonhos, deixando no jogador a possibilidade de se envolver naquela terapêutica sinistra.
Avancemos para alguns exemplos de recentes concretizações de criaturas do mal capazes assumirem um rótulo sinistro e hediondo.
Tenho de voltar a Resident Evil 4, aos camponeses que habitam uma vila perdida nas montanhas e onde se fala espanhol.
O primeiro “ganado” que Leon Kennedy interpela é um exemplo que vejo como perfeito.


O homem está de costas, curvado diante da lareira, atirando carvão (ou queimando algo denunciatório?!) e prende a atenção do jogador no instante em que se mostra à personagem principal. A recepção faz-se com um olhar perturbador e inquietante como a imagem ilustra. A sonoridade oprime (“What’s he building?” de Tom Waits é algo muito próximo e que aconselho a ouvir). As rugas fundas caracterizam austeridade numa pessoa implacável e firme. A barba mal amanhada, o cabelo curto, roupas sujas (tal como o espaço envolvente) e um olhar arrepiante como se estivesse cego ou minado pelo interior concluem um momento de medo, de inquietação sem que se perceba o que os arroja. Leon Kennedy, mais à frente, acompanha a inquietação do jogador quando se vê rodeado por mais aldeãos sinistros e pergunta: “why these people?!”


A ceifeira continua de cara tapada e sem remorsos. A moto-serra enquanto instrumento predilecto do cinema para incutir o medo não é novidade, mas aplicada desta forma num videojogo torna a encarnação do mal mais ressonante.


Por exemplo, Killer 7 é uma arca de personagens perturbadoras e difusas (uma autêntica montanha russa de temperamentos esquizofrénicos e terapêuticas) alimentadas também pelo carácter jocoso e sub-reptício que Jack Nicholson tão bem interpretou na personagem Joker em Batman.


Outro jogo que apreendeu com perspicácia a força do mal ( numa luta titânica e constante da qual o jogador fica alheado durante imenso tempo, salvo fragmentos da resposta através de imagens/recordações) numa divisão Freudiana do inconsciente em três partes (id, superego e ego), é Xenogears.

ID, na imagem, é a perversão e a contraposição a todas as regras moralmente aceites (Fei, o superego). Resultado de uma exposição traumática que carrega como fardo e sofrimento, ID é uma mente doente, destinada a pulsar ódio e aversão ao seu redor sem qualquer controlo.

Nesta identificação radica o desafio que se propõe ao jogador, motivando-o para a retoma de um estado anterior e de equilíbrio. A criação dos vilões com a profundidade que lhes é empregue varia em função da narrativa que os acolhe e do grau de fantasia ou violência presente no jogo. Mas são tantas as personagens, os anti-heróis, que muitas ficaram de fora deste breve périplo pelo lado mais sombrio, escuro e enigmático das narrativas. Fica por isso o post aberto a contributos e comentários.

1 Comments:

At 2:30 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Realmente, o Resident Evil 4 capta muito bem essa "essência do mal" que voçê quer deixar passar.

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